Instituto de Formação de Líderes Jovem São Paulo
Da Argumentação e da Erística: Um Escrito Acerca da Obra “A Arte de Ter Razão” de A. Schopenhauer
Mesa de Eduardo Ismael
São Paulo, 13 de fevereiro de 2022.

O artigo que se passa a escrever teve a ideia de sua redação nascida na leitura do livro “A Arte de Ter Razão”, de Arthur Schopenhauer, e seu objetivo é uma breve dissertação acerca da obra aliada de observações complementares. Desse modo, primeiro tratar-se-á de algumas questões e méritos da dialética - principalmente da erística - para, então, dissertar acerca dos famosos 38 estratagemas do autor, fazendo breves resumos e trazendo tanto exemplos quanto comentários críticos, quando cabíveis.
Primeiramente, é central que se defina “dialética erística”: essa seria uma forma de argumentação dissociada da realidade fática ou da verdade. Segundo Schopenhauer, a erística é a arte de se disputar com outro homem visando ter razão, recorrendo tanto a meios “lícitos” quanto a meios “ilícitos”, per fas et nefas. Essa tese é baseada na ideia de que, assim como em um debate se pode ter razão “objetiva” quanto a certo tema mas estar errado aos olhos das pessoas presentes ou do julgador competente, é possível estar objetivamente errado e parecer correto na esfera subjetiva dos demais participantes da discussão.
Todavia, é natural que se reflita a respeito de qual o sentido de ganhar uma discussão sem estar do lado da verdade. Mesmo que esse não seja o escopo do papel em tela, vale salientar a resposta para que não se dê margem à crítica. Muitos procuram relativizar e discutir o que seria a verdade e o valor de se defender o ponto de vista próprio, mas a resposta direta é que não há um sentido lógico por trás da questão. Vencer o adversário a qualquer custo é apenas algo inerente ao ser humano, visto que esse comumente visa a satisfação de suas vaidades e a autoafirmação. Nesse sentido, tem-se cá apresentado ao leitor mais uma estratégia com valor prático do que um reconforto teórico, tendo em mente que cada homem deseja impor sua afirmação sobre o outro.
Destarte, a dialética pode ser comparada a um duelo de esgrima aos olhos de um mestre: não há importância em qual o motivo do início da luta ou em seu resultado final, o que importa é golpear e aparar. Nesse paralelo, “golpear” e “aparar” seriam equivalentes a “resumir” e “descrever”, o que apresenta a erística como uma técnica, um meio e não um fim. E não é preciso dizer como a técnica não faz distinções de bem e mal por si só, é apenas um meio que, no caso da dialética, pode chegar a quaisquer conclusões, mesmo que irreais.
Ainda, antes de tratar dos estratagemas já mencionados, resume-se brevemente a base da dialética. Em um primeiro momento, uma tese é apresentada, e subsequentemente é eleito um modo ou via, dentre os dois modos e duas vias possíveis, para refutá-la. Em relação aos modos, pode-se evidenciar que a tese proposta não se relaciona com a natureza das coisas ou com a verdade absoluta (ad rem) ou que contradiz a verdade subjetiva relativa do oponente (ad hominem). Já no que cerne às vias, tem-se as refutações direta e indireta, sendo a direta a refutação que mostra que a tese não é verdadeira - negando a base dos argumentos, nego majorem ou nego minorem, ou a falta de conexão entre os pressupostos e as conclusões, nego consequentiam - e a indireta a refutação que mostra que a tese pode não ser verdadeira.
Para a refutação indireta, pode-se fazer o uso de dois métodos: a apagogia e a instância. O primeiro consiste em aceitar os pressupostos e/ou consequências do raciocínio adversário e trazer suas consequências últimas, evidenciando conclusão manifestamente falsa, que invalida a proposta inicial, considerando que de premissas verdadeiras só surgem conclusões verdadeiras - desde que se faça o correto uso das relações lógicas, obviamente. A instância, por sua vez, se trata de uma demonstração direta de alguns casos compreendidos em sua enunciação verbal para os quais a conclusão do adversário não se aplica, comprovando que essa pode ser falsa.
Posto todo o precedente, finalmente passa-se aos tão esperados estratagemas teorizados por Schopenhauer em sua obra:
1. Ampliação: levar as afirmações da contraparte para além de seus limites naturais, interpretando-a da maneira mais geral possível. Ou seja, em caso de a pessoa A argumentar que “os pais devem ter liberdade para disciplinar seus filhos”, a pessoa B contra argumenta que “então você acredita que os pais podem agredir seus filhos livremente se acharem necessário?”;
2. Homonímia: estender a afirmação apresentada por meio do conceito de homônimos e refutar algo que não tem a ver com o tema, mas parece ter por conta da homonímia. Se a pessoa A diz “Você não compreende as ideias ocultas nesse texto”, a pessoa B responde “Não quero saber de ideias ocultas e ocultismos!”;
3. Reapresentação: reapresente a afirmação posta pela contraparte em um sentido diferente e mais geral e, então, refute-a no sentido atribuído. Ataque algo diferente do que foi dito;
4. Partindo de longe: semeie os pressupostos necessários para sua tese de maneira despretensiosa e desordenada até que todo o necessário seja admitido e a contraparte seja obrigada a concordar com sua conclusão final;
5. Premissas falsas: faça uso de premissas que não são reais para a parte, mas sim para a contraparte, utilizando seu modo de pensar e suas premissas contra o mesmo. Se a pessoa A faz parte de uma seita religiosa qualquer, por exemplo, a pessoa B deve usar posicionamentos de seu grupo/doutrina que a contradigam na discussão;
6. Jogue com as palavras: deixe o debate confuso substituindo as palavras da contraparte por sinônimos e, assim, ampliando seu significado ou criando novos possíveis argumentos;
7. Velocidade: faça uma longa lista de perguntas abrangentes à contraparte e depois realize uma conclusão rápida. Assim, os de julgamento lento não serão capazes de detectar lacunas ou erros no raciocínio ou notar seu objetivo final antes que seja tarde;
8. Fúria: enfureça a contraparte para tornar seu julgamento raso e perceber suas fraquezas. Enfurecido, é menos provável que o oponente identifique onde residem suas vantagens e desvantagens;
9. Mudar a direção: direcione as respostas da contraparte para conclusões opostas ou diferentes, criando uma desordem no raciocínio semelhante à do quarto estratagema;
10. Confundir a pergunta: quando a contraparte negar todos os questionamentos, utilizar perguntas contrárias às que se quer ter afirmadas, mas demonstrando a intenção de tê-las afirmadas pela contraparte, criando assim um cenário no qual a negação se torna uma afirmação;
11. Generalizar: fazer a contraparte indicar diversos casos particulares como verdadeiros e, então, assumir que todos os casos funcionam assim. Quanto mais casos particulares forem postos, mais força terá a generalização;
12. Nomear: se a discussão passar para o campo das ideias imateriais e sem nomes particulares, dê nomes que favoreçam o ponto de vista defendido às mesmas. Caso a discussão se trate de algo que um apartidário chamaria de “culto”, uma pessoa que seja a favor do tema deveria dizer “devoção” ou “piedade” e uma pessoa que fosse contra, “superstição” ou “fanatismo”;
13. Contra-proponha: se a contraparte negar uma proposição, apresente uma contra-proposição absurda da qual a mesma também discordará, levando-a a concordar com a primeira. Se a pessoa A quer que seja admitido que se deve fazer tudo que os pais mandam e a pessoa B discorda, a primeira deve perguntar “então os jovens devem fazer o que quiserem, ignorando seus pais?”;
14. Passar por cima: se a contraparte não responder questionamentos da maneira que se quer, pule diretamente para a conclusão com uma grande confiança. Apenas lembre-se que isso só funcionará se a contraparte for tímida ou lenta;
15. Conquiste a razão: em uma situação na qual se faz necessário o uso de uma proposição absurda, primeiramente faça com que a contraparte concorde com uma conclusão mais branda e depois coloque a proposição absurda em questão. A primeira afirmação acordada garantirá certa autoridade na discussão;
16. Hipocrisias: se a contraparte apresentar uma proposição, procure por alguma inconsistência entre a mesma e suas declarações, crenças, ações ou omissões. Se a pessoa A alega que “a carga tributária é insuficiente para que o governo opere propriamente", a pessoa B deve perguntar “então por que você não contribui voluntariamente com uma porcentagem maior de sua renda?”;
17. Evidência contrária: mediante a apresentação de uma evidência contrária, mostre alguma diferença sutil, acrescentando um significado subjacente ou uma ambiguidade à evidência, de modo a invalidá-la;
18. Derrota certa: caso a contraparte inicie com uma linha de debate na qual não se pode ganhar, escusar-se de algum modo do assunto;
19. Especificidade: quando o argumento da contraparte for específico a ponto de não se poder contra-argumentar, generalize e faça o argumento menos específico, trazendo pontos como a falibilidade do conhecimento humano;
20. Ponte premissa-conclusão: caso a contraparte tenha concordado com suas premissas, não pergunte se ela também concorda com a conclusão, apenas admita isso com base na concordância com as premissas e na lógica;
21. Superficialidade: em situações nas quais a contraparte apela para argumentos superficiais, alegue a superficialidade de seu argumento ou responda com um argumento tão superficial quanto. Se a pessoa A afirmar que o argumento da pessoa B é preconceituoso, a pessoa B deve demonstrar o porquê de a argumentação da pessoa A também o ser;
22. Petição de princípio: se a contraparte buscar que se admita um ponto a partir do qual terá sua conclusão, não responda e alegue que a mesma incorre em petição de princípio, isto é, que já tinha sua tese formulada desde o início e a utiliza como uma de suas premissas;
23. Contradição e contenciosidade: contradiga a contraparte até que a mesma comece a exagerar em suas proposições. Após isso, argumente contra as proposições exageradas, o que fará parecer que a proposição original foi refutada;
24. Falso silogismo: em caso de a contraparte estabelecer paralelos entre três elementos em relações distintas, procure demonstrar como isso é absurdo pulando uma etapa. Sua demonstração fará parecer que a proposição inicial em si é absurda. Faça assim: se afirmam que A = B e B = C, diga que A = C;
25. Instância contrária: mediante uma generalização, encontre uma única instância que quebre o padrão, isso irá fazer com que a contraparte perca seu argumento e sua credibilidade;
26. Vire a mesa: sempre que possível, faça o uso dos argumentos da contraparte contra ela mesma, indique como um mesmo ponto de partida pode levar a duas conclusões diametralmente opostas;
27. Indignação: caso um argumento indigne a contraparte, insista no mesmo com louvor, pois isso indica que se tocou em um ponto frágil, suscetível a ataques;
28. Ignorância do público: quando a audiência do debate for ignorante em relação ao assunto guerreado, levante quaisquer objeções que possam fazer a audiência rir ou que coloquem a contraparte como ridícula. Uma plateia sem conhecimento no assunto não irá passar minutos escutando uma explicação prolixa a respeito do porquê de seu argumento ser inválido;
29. Diversão: em casos nos quais se esteja sendo vencido, crie uma brincadeira ou diversão para atrapalhar o foco da contraparte e da audiência na questão real;
30. Autoridade: apele para autoridade e não para a razão, utilize especialistas que a contraparte reconhece contra ela mesma;
31. Juiz incompetente: quando não houver respostas aos argumentos da contraparte, declare-se um “juiz incompetente”, com muita irônia, o que fará parecer que a contraparte enuncia um contra-senso. Nessa situação, diga, por exemplo, “não sou capaz de compreender tal nível de argumentação e inteligência, perdoe-me! eu me abstenho de expressar opiniões sobre o assunto, visto sua já demonstrada maestria”;
32. Categorize: um modo de refutar instantaneamente a afirmação de um oponente é colocá-la em uma categoria odiosa, atribuindo-a a um movimento qualquer. Isto é, diga que o argumento da contraparte é próprio de um “fascista”, por exemplo;
33. Pareça razoável: concorde com as premissas do oponente, mas negue o valor prático ou conclusivo das mesmas, afirme algo como: “sua teoria é ótima, mas é uma pena que não se aplica à prática”;
34. Insista: caso a contraparte desvie de uma pergunta, retorne ao mesmo ponto quantas vezes necessárias até que se tenha uma resposta concreta e direta;
35. Pense nos motivos: não leve em conta apenas os argumentos da contraparte, pense também em seus motivos para defender determinado ponto de vista e faça com que seu argumento pareça prejudicial a seus próprios interesses;
36. Grandiloquência: quando a contraparte não parecer entender bem do assunto, faça uso de frases e palavras difíceis, que soem como inquestionáveis ou próprias do assunto, de modo a confundí-lo;
37. Prova deficiente: se a contraparte apresentar argumentos válidos, mas uma prova deficiente, refute a prova como se estivesse refutando toda a argumentação;
38. Desvie o foco: caso não haja nenhuma saída real do assunto e a situação seja totalmente desfavorável, busque desviar o debate do tema para a pessoa, criando uma cortina de fumaça para sua ignorância.
Por meio desses estratagemas, Schopenhauer expõe uma outra face de sua genialidade. Compreendendo o homem de um modo extremamente singular para sua época, o filósofo coloca um ponto de vista interessante a respeito do funcionamento do pensar humano e sobre como usar isso contra o próprio. Mesmo que nem todos os estratagemas façam o uso da moral em sua mais bela forma, eles apresentam certa funcionalidade. Vale lembrar que todo o posto neste papel constitui uma técnica, que pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal. Cabe ao leitor, à sua discricionariedade e sabedoria, fazer o bom e responsável uso desta redação.